sábado, 28 de maio de 2022

O aborto como obstáculo ao discurso sobre o próprio corpo


Um espermatozoide e um óvulo sempre serão células reprodutoras  humanas, mas um óvulo fecundado é um ser humano em potencial; é o gênesis do processo de uma mulher ou de um homem em formação. Qualquer intervenção, natural ou intencional, nesse processo é interrupção na possibilidade de alguém puder vir a existir. Não se trata de uma posição moral sobre a questão ( dizer se é certo ou errado), mas de uma objetividade. Quem defende a interrupção do processo da vida, isto é, do aborto, deve ter essa clareza: impede a geração de um corpo puder ocupar um espaço, de expressar-se, enfim, de poder discursar sobre si. Esse é o pressuposto básico da intervenção abortiva. Mesmo naqueles casos em que a legislação permite, abortar será sempre dizer um não à vida de um ser humano.

Atualmente, estão em voga os termos empoderamento e sororidade. As mulheres não se contentam mais com os discursos sobre elas e por elas. Exigem respeito e assumem as rédeas de poder discursar sobre si mesmas. Tomam consciência do poder que podem exercer sem a subserviência da bêncão masculina, ou seja, empoderam-se. Maravilhoso isso! Empoderar-se é caminhar de forma solidária e colaborativa com a cultura masculina, mas renunciando ao que tem de machismo e de empecilho à ascensão social , política e emancipadora da cultura feminina. Não se trata, portanto, de rivalidade, mas de plena consciência de poder que as mulheres têm  direito  de ocupar espaço no estrato social.

Nesse processo se aliam movidas pela solidariedade e compaixão entre si, para que seu empoderamento possa ser efetivado, para que a ascensão política, social e emancipadora se realize. A sororidade é esse acordo prenhe de cumplicidade e amorosidade entre elas a fim de que ocupem o espaço devido na sociedade.


Nessa perspectiva, o processo de empoderamento realizado pela mulher pressupõe o direito de falar por si mesma, não aceitar mais as imposições da cultura machista, impondo o que deve ou não deve fazer, comportar-se desse e não daquele jeito. O discurso sobre ela mesma não pode ser renunciado nem delegado a outra pessoa. O  direito ao próprio discurso é de capital importância para sua emancipação. Portanto, tudo que atente contra ele deve ser combatido e enfrentado tenazmente.

Diferentemente do que defendem por aí, o aborto é o maior inimigo do discurso que a mulher poderá fazer sobre si mesma ou sobre o seu corpo. Ele nega isso de maneira radical, uma vez que impede que um corpo consciente de si mesmo possa vir a  ocupar um espaço dentro de uma sociedade e requerer o direito de falar por ele mesmo. Ou seja, nega a possibilidade dele existir; sem corpo não há mulher, muito menos mulher empoderada. Pelos seus próprios princípios de emancipação e empoderação, as mulheres devem rejeitar o aborto, caso contrário contradizem o próprio discurso; aliás, criam um grande paradoxo. O que ela gera não é uma extensão dela, muito menos o seu próprio corpo, mas é o fruto de dois corpos que possibilitam a existência de um terceiro, o qual, um dia, deverá fazer suas escolhas e discursar sobre si mesmo. Abortar nega esse direito, derrubando os alecerces do empoderamento feminino.

Postado em 16/03/2019; editado em 28/05/2022.




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