terça-feira, 18 de agosto de 2020

Sob a égide da morte

 

Todo ser humano carrega dentro de si as dimensões do tânatos  e do eros. Tânatos é pulsão de  morte, e eros é pulsão de vida na teoria freudiana. Essas realidades  permeiam seus sentimentos , desejos e sonhos. Não há como fugir disso. Pode amar e odiar com a mesma intensidade. Na verdade, vive sua existência travando uma guerra entre a pulsão de morte  e a pulsão de vida . Ora um, ora  outro consegue ditar seu domínio sobre a natureza humana. Quando eros está no domínio, é capaz das mais criativas, amorosas e edificantes ações. Movido por tânatos, é capaz das mais odiosas e repulsivas  atitudes: destrói em vez de  construir, mata em vez  de salvar, levanta muros inviabilizando  pontes.

Todas as violações dos direitos humanos, as violências sofridas por mulheres,  homossexuais, negros, idosos, crianças, adolescentes  e religiões de matriz africana, além do discurso de ódio inflado por instituições e autoridades constituídas, são provas cabais de que vivemos um momento no qual tânatos impera . O caso recentíssimo mais emblemático é o da menina de 10 anos que sofria abuso  sexual do tio desde os 6 anos de idade, culminando numa gravidez aos 10 anos. Odioso crime, por isso mesmo  repulsivo, intragável pela sociedade.

Tânatos entorpece a razão por que  exige vingança travestida de justiça, eliminação em vez de ressocialização, projeção  no criminoso de todas  as sombras não reconhecidas e reprimidas pela coletividade. Enebriadas pela pulsão de morte, as pessoas deixam-se arrastar por uma emoção desenfreada que promove fundamentalismos e visões míopes da realidade. Os julgamentos podem até ter amparos  legais, mas estão em estreita relação com a não vida, com os baixos instintos, que desumanizam os seres humanos.

O tio da menina de 10 anos é um monstro? Não, é apenas qualquer homem ou mulher, de ontem ou de hoje , dirigidos por tânatos, por isso mesmo capazes de  abrir os portões infernais de  suas sombras, causando horror,  repulsa e as mais hediondas ações. A menina, vítima de  ações monstruosas que qualquer ser humano é capaz de fazer - quando dominado por tânatos -, é levada, inconscientemente, a coroar o triunfo tanatológico, que é a eliminação de uma vida indefesa.

Uma sociedade tragada pelos instintos mortais sente ojeriza pelo discurso em defesa da vida. Não suporta a ideia de que a vida  precisa ser protegida, cuidada  e preservada desde o útero materno. A vida, maior bem que se pode ter, dessa forma,  é banalizada, desprezada e aniquilada

A vida é um direito de todos.  Mas uma sociedade sob a égide da morte sempre propõe a morte como solução. Para o crime hediondo contra uma criança de 10 anos, propõe o crime legalizado da eliminação de uma vida que sequer teve o direito de se defender e ter seu direito à vida garantido.

Um comentário:

  1. É realmente um belo discurso, mas... como tudo que foi transcrito por todos os Psicanalistas na historia - teoria, somente teoria... , O que aconteceu com a criança foi na prática.
    Como pode o ser humano tentar entender o Eu interior do próximo, se não consegue sequer avaliar o seu próprio Eu?

    PS: Não estou criticando o discurso do colega, apenas expressando também minha opinião.

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