Mateus Borba Cardoso
Vírus: pesquisa de brasileiros pode permitir que vírus sejam desativados
Diego Freire, da AGÊNCIA FAPESP
Para se reproduzir no organismo, um vírus passa por um processo de
adsorção (ligação) das suas partículas às células infectadas,
conectando-se a receptores da membrana celular. Com o objetivo de
impedir essa ligação e, consequentemente, a infecção, pesquisadores do
Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) desenvolveram
uma estratégia que utiliza nanopartículas carregadas de grupos químicos
capazes de atrair os vírus, ligando-se a eles e ocupando as vias de
adsorção que seriam utilizadas nos receptores celulares.
Dessa forma, o vírus, já com sua superfície ocupada pelos grupos
químicos carregados pelas nanopartículas, fica incapacitado de realizar
ligações com as células do organismo. A estratégia inovadora de
inativação viral foi desenvolvida no âmbito da pesquisa "Funcionalização de nanopartículas: aumentando a interação biológica", realizada com o apoio da FAPESP e coordenada por Mateus Borba Cardoso.
Trata-se do primeiro estudo que demonstra inativação viral baseada em química de superfície de nanopartículas funcionalizadas.
“Esse mecanismo de inibição viral se dá por meio da modificação de
nanopartículas em laboratório, atribuindo-se funções à sua superfície
pela adição de grupos químicos capazes de atrair as partículas virais e
se conectar a elas. Esse efeito estérico, relacionado ao fato de cada
átomo dentro de uma molécula ocupar uma determinada quantidade de espaço
na superfície, impede que o vírus chegue até o alvo, as células, e se
ligue a ele, porque já está ‘ocupado’ pela nanopartícula”, explica
Cardoso.
Os pesquisadores sintetizaram nanopartículas de sílica, componente
químico de diversos minerais, com propriedades superficiais distintas e
avaliaram sua biocompatibilidade com dois tipos de vírus. A eficácia
antiviral foi avaliada em testes in vitro, com os vírus HIV
e VSV-G – que causa estomatite vesicular – infectando células do tipo
HEK 293, uma cultura celular originalmente composta de células de um rim
pertencente a um embrião humano. As partículas virais foram preparadas
para expressar uma proteína fluorescente que muda a coloração das
células infectadas, permitindo que os pesquisadores “sigam” a infecção.
A inovação segue a mesma estratégia já adotada pelos pesquisadores na
funcionalização de nanopartículas que levam medicamentos quimioterápicos
em altas concentrações até as células cancerígenas, evitando que as
saudáveis sejam atingidas e minimizando os efeitos adversos da
quimioterapia (leia mais em agencia.fapesp.br/23210).
As nanopartículas de sílica foram escolhidas mais uma vez por conta da
sua porosidade, que permite uma boa funcionalização de sua superfície
por meio da adição de grupos químicos em seus poros. Depois de
sintetizadas, essas partículas passam por reações necessárias para que
sua superfície seja funcionalizada de acordo com as afinidades químicas
dos vírus. Grupos químicos específicos foram inseridos na superfície das
partículas para que as proteínas virais sejam naturalmente atraídas por
elas.
Após esse processo, os pesquisadores deram início à caracterização das
nanopartículas, realizando medições de tamanho e checando se a
funcionalização estava correta. Para isso, utilizam um arsenal de
técnicas, desde microscopia a análises do potencial zeta – a carga
superficial das partículas. De posse das informações sobre a carga foi
possível correlacioná-la aos dados já conhecidos do envelope viral, a
composição química do que está na superfície do vírus, aumentando as
chances de as nanopartículas serem ancoradas em determinadas regiões
dele.
Também foi utilizada a técnica de espalhamento de raios X a baixos
ângulos (SAXS, na sigla em inglês). Por meio de radiação gerada pelo
acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
(LNLS), integrante do CNPEM, os pesquisadores utilizam a técnica para
enxergar e estudar a forma e a organização espacial de objetos em
proporções nanométricas – no caso, as nanopartículas de sílica
funcionalizadas.
“As nanopartículas devidamente funcionalizadas e as partículas virais
passaram, então, por um tempo de incubação para que interagissem umas
com as outras em função das propriedades de superfície de ambas. Quando
existe muita atração, provocada pelos grupos químicos presentes na
superfície das nanopartículas, a preferência do vírus é de se ligar a
elas, não às células”, conta Cardoso.
Após a funcionalização das nanopartículas, os estudos sobre sua carga e
outras propriedades e o período de incubação, os pesquisadores
realizaram os testes in vitro infectando as células HEK 293 com os vírus
HIV e VSV-G preparados para expressar a proteína fluorescente. Por meio
de microscopia de fluorescência foi possível acompanhar a infecção e
também as células que não foram atingidas por ela. Utilizando citometria
de fluxo, tecnologia capaz de analisar simultaneamente diversos
parâmetros de células ou partículas em suspensão, os pesquisadores
puderam contar as células positivas e negativas frente à exposição ao
vírus: as nanopartículas chegaram a reduzir a infecção viral em até 50%,
demonstrando a eficiência da estratégia.
“Esse resultado poderia chegar a 100% se aumentássemos a quantidade de
nanopartículas funcionalizadas no período de incubação, mas os testes
são realizados em uma faixa otimizada de inativação viral, para que
possam ser observados os efeitos nas células atingidas pelos vírus,
realçando as diferenças para fins de comparação”, diz o pesquisador.
Os testes também permitiram verificar que durante o processo a
morfologia celular foi mantida, sem que as nanopartículas a
influenciassem.
De acordo com Cardoso, a estratégia poderia ser utilizada, por exemplo,
na detecção e eliminação de vírus em bolsas de sangue antes de
transfusões. Para isso, conta o pesquisador, estão sendo estudadas
nanopartículas magnéticas que, uma vez dentro do meio sanguíneo contido
na bolsa, se ligariam aos vírus, inativando-os e sendo posteriormente
separadas do sangue por um ímã, levando consigo as partículas virais. A
afinidade entre os grupos químicos carregados pelas nanopartículas e as
partículas virais também poderia servir ao desenvolvimento de novas
técnicas de detecção do HIV e de outros vírus.
Os resultados da pesquisa foram publicados no periódico científico
Applied Materials & Interfaces. O artigo Viral Inhibition Mechanism
Mediated by Surface-Modified Silica Nanoparticles é assinado por Juliana
Martins de Souza e Silva, Talita Diniz Melo Hanchuk, Murilo Izidoro
Santos, Jörg Kobarg e Marcio Chaim Bajgelman, além de Cardoso, e pode
ser acessado em pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acsami.6b03342.
EXAME.com
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