Está tudo dito e repetido até o cansaço. Não faz sentido, neste momento, r
epetir argumentos técnicos sobre "pedaladas", decretos e toda a ficção jurídica
que foi criada para distrair a atenção do público enquanto a
conspiração palaciana era articulada. Todos os atores políticos
envolvidos na organização do golpe de Estado finalmente consumado nesta
quarta-feira 31 sabem que isso é conversa fiada – algo que a imprensa
internacional advertiu desde o primeiro dia – e que a discussão em
"juridiquês" e "economiquês" tinha como único objetivo fazer com que a
maioria da população não entendesse o que estava sendo falado.
Não vou perder tempo com isso.
(E recomendo a quem ainda tiver dúvidas a respeito que assista no
YouTube à defesa da presidenta realizada pelo advogado José Eduardo
Cardozo e às respostas dela mesma no Senado às perguntas dos senadores
Reguffe e Agripino Maia. Nesses vídeos tem uma resposta clara e
contundente às falsas acusações usadas como pretexto para o
impeachment.)
Agora que chegamos, finalmente, ao dia em que
o Senado decidiu jogar no lixo 54 milhões de votos, num jogo de cartas
marcadas que todos nós sabíamos como terminaria, eu quero falar para a
Dilma como cidadão. Não a presidenta e o deputado, mas as pessoas, os
militantes. E continuarei a chamá-la de presidenta porque me recuso a
dar aos golpistas o prazer de retirar dela o título que o povo lhe deu
nas urnas – mas falo para a companheira.
Presidenta, a senhora
sabe que temos discordado bastante ao longo dos últimos anos. De fato,
eu fui muito crítico do seu governo e, se deixei de repetir minhas
críticas a partir do início desta farsa de impeachment, não foi porque
tenha me esquecido daquilo em que discordamos, mas porque a defesa da
democracia nos uniu – e a senhora, que sofreu no corpo a tragédia da
ditadura, passando inclusive pela prisão e a tortura, sabe ainda melhor
do que eu que a democracia é muito mais importante do que qualquer
divergência política ou ideológica.
Presidenta, as minhas críticas ao seu governo tiveram, na maioria dos casos, o mesmo motivo: as
concessões e recuos que a senhora fez
diante das pressões e a chantagem permanente daqueles que depois a
traíram. Essa gente não tem limites: primeiro toma o que lhe é dado sob
pressão e depois pega o resto na marra.
Esses golpistas são canalhas, bandidos, ladrões, fundamentalistas,
fascistas, homofóbicos, machistas, racistas, plutocratas, egoístas,
conspiradores, autoritários e inimigos da liberdade, da igualdade e da
democracia. E sempre querem mais.
Querem tudo.
Mas eu
quero dizer à senhora que, independentemente das nossas diferenças, pode
contar comigo. Não falo apenas como deputado, mas como pessoa. Muitos
ainda não perceberam que o que esteve em jogo ao longo de todo este
processo não foi a continuidade de um governo, com seus erros e acertos,
mas a defesa da democracia como forma de vida, que os golpistas estão
nos roubando. As consequências do golpe serão graves e duradouras e
afetarão nossas liberdades, nossos direitos e as conquistas sociais dos
últimos anos.
Numa votação entre 81 senadores, que decidiram cassar 54 milhões de
votos, venceram os canalhas, os falsos profetas, os ufanistas de araque,
os que foram contra o Bolsa Família, os que falam abertamente na
restrição de direitos das mulheres e das pessoas LGBT, os que são contra
cotas raciais mínimas, os grileiros de terra, os que nutrem ódio pelos
indígenas.
Nessa votação, venceram os que se lambuzam, de norte a sul do País,
com o dinheiro de empreiteiros corruptos, com os banqueiros sonegadores;
os que vivem dos sobrenomes herdados, os que nunca trabalharam, os que
creem que o progresso do País é a melhoria das próprias contas
bancárias.
Sem a participação do povo, venceram os egoístas.
Mas essa luta não terminou. Ela está apenas começando. Que não
duvidem por um minuto: haverá muita luta contra o governo golpista e seu
programa reacionário, conservador e contrário aos direitos humanos e à
classe trabalhadora. O Brasil não desistirá de sua democracia.
O que vem agora são tempos sombrios, mas, ao mesmo tempo, tempos de
resistência. Vamos resistir ao governo ilegítimo e suas políticas que
ninguém votou. Vamos resistir a todo ataque às liberdades individuais e
aos direitos civis e políticos. Vamos resistir ao programa reacionário
urdido pelos poderes econômicos e os fundamentalistas.
A única maneira de Temer silenciar todo mundo que acusa o golpe (já
que ele afirmou que "não tolerará" ser chamado de golpista) é trancafiar
a todos na Casa Verde, como fez Simão Bacamarte no livro
O Alienista, de Machado de Assis.
Vamos resistir, sim. Vamos continuar chamando Temer de golpista, sim. Vamos continuar defendendo a democracia, sim. E eu estarei na resistência: no Congresso, e, sempre que necessário, nas ruas!
Carta Capital