Empossado há 12 dias, o
governo do presidente interino Michel Temer (PMDB) vive nesta segunda-feira 23 sua primeira grande crise, com a divulgação de gravações entre seu ministro do Planejamento, Romero Jucá (PMDB-RR), e um dos alvos iniciais da
Operação Lava Jato,
Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, importante subsidiária da Petrobras.
Entre os muitos detalhes dos áudios, divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo, surge uma indicação de que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) era parte de uma estratégia para barrar as investigações da Lava Jato. Em entrevistas concedidas nesta segunda-feira, Jucá, que foi um dos principais articuladores do impeachment, nega que suas falas contivessem referências à Lava Jato.
Qual é a origem das gravações entre Jucá e Sergio Machado?
Na reportagem publicada nesta segunda-feira, a Folha de S.Paulo não informa a origem dos áudios. O jornal diz apenas que as conversas, feitas em março, somam 1h15min e estão em poder da Procuradoria-Geral da República.
Segundo informações de jornalistas do canal GloboNews e da revista Veja, as gravações teriam sido feitas por Sergio Machado e seriam parte de um acordo de delação premiada negociado entre o ex-presidente da Transpetro e a força-tarefa da Lava Jato.
Quem é Sergio Machado?
Machado foi presidente da Transpetro entre 2003 e novembro de 2014, quando se tornou
a primeira vítima da Lava Jato e acabou demitido. Ele foi
indicado para o cargo pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas é apontado como operador do PMDB na estatal.
Qual é a parte mais importante dos áudios?
O trecho mais relevante das gravações mostra Jucá e Machado dialogando a respeito da possibilidade de muitos investigados na Lava Jato realizarem delações premiadas depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em fevereiro, tornar efetivas as sentenças de prisões a partir de decisões de segunda instância.
A dupla conversa sobre acordos de delação de grandes empreiteiras, como a Queiroz Galvão, a Camargo Corrêa e a Odebrecht, que faria uma delação "seletiva", segundo Jucá, e o então senador, agora ministro, afirma que a forma de "estancar a sangria" é "mudar o governo", como mostra o trecho abaixo destacado pela Folha:
MACHADO - Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.
JUCÁ - Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
MACHADO - Odebrecht vai fazer.
JUCÁ - Seletiva, mas vai fazer.
MACHADO - Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
[...]
JUCÁ - Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. [...] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
Mas que acordo seria esse? Quem faria parte dele?
Pelo que se pode depreender dos trechos reproduzidos pela Folha de S.Paulo, o acordo envolveria a classe política e até mesmo o STF. Machado cita a ascensão de Michel Temer em caso de impeachment de Dilma como "solução mais fácil" e Jucá reclama que Renan Calheiros era o único que estava contra essa alternativa. Por algumas semanas, Renan foi de fato o esteio mais forte do governo contra o ímpeto pelo impeachment.
MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.
MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.
JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto.
- Machado, primeira vítima da Lava Jato, teria feito um acordo de delação premiada (Foto: Paulo Gonçalves/Folha da Região)
Algum ministro do Supremo é citado diretamente?
Não, mas em um trecho da conversa Jucá diz ter procurado diretamente ministros do STF e ter recebido como resposta uma negativa sobre a a possibilidade de Lava Jato "parar". Segundo eles, a operação continuaria enquanto Dilma Rousseff estivesse no Palácio do Planalto.
JUCÁ - [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem 'ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca'. Entendeu? Então... Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.
MACHADO - Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São Paulo ajudou muito. [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava jato]
JUCÁ - Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o cara, entendeu? Foi um ato violento...
MACHADO -...E burro [...] Tem que ter uma paz, um...
JUCÁ - Eu acho que tem que ter um pacto.
O que diz Romero Jucá sobre as gravações?
Em entrevistas concedidas nesta segunda-feira 23, Romero Jucá negou que estivesse falando com Machado sobre parar as investigações de corrupção. “Aquela conversa não era sobre um pacto sobre a Lava Jato. É sobre economia, para tirar o Brasil da crise. Quando falo em delimitar é sobre o prejuízo que as empresas terão de pagar. Para que se decida de uma vez. Não ficar algo solto com ilações sobre todo mundo”, disse Jucá ao blog do jornalista Fernando Rodrigues, no portal UOL.
À rádio CBN, Jucá foi na mesma linha de argumentação. "Quando disse em estancar sangria não me referia à Lava-Jato. Falava sobre a economia do país e entendia que o governo Dilma tinha se exaurido. Entendia que o governo Temer teria condição de construir outro eixo na política econômica e social para o país mudar de pauta", afirma.
Carta Capital