Geralmente a ideia que se tem sobre a paixão e a morte de Jesus é à luz da fé, pelo menos é essa que está impregnada fortemente no imaginário popular e alimentada por um discurso religioso bastante eloquente e vigoroso. Reconhece-se a importância dessa visão, mas uma reserva a ela se faz necessária. Isso porque se evita compreender o processo condenatório de Jesus de maneira romântica, prescindindo de aspectos históricos importantes. Por isso, sua condenação à morte deve ser entendida como consequência do projeto de vida que assumiu, do sonho que tinha para com a humanidade.
Equivocadamente, muitos pensam que os evangelhos canônicos ( Mateus, Marcos, Lucas e João) traçam uma biografia de Jesus, fazem um histórico sobre sua vida. Ledo engano! É certo que as reflexões ali feitas repousam sobre um fato histórico, Jesus de Nazaré. Mas a sua vida e as suas atividades são interpretadas de acordo com a perspectiva da comunidade e do autor que escreveu cada evangelho. Na cruz, por exemplo, o Jesus de Marcos está à beira do desespero, se sentindo deixado para trás por Deus (Mc 15,34); o de Lucas mostra-se sereno, confiante e entrega-se ao Pai (Lc 23,46). Os evangelhos, portanto, é uma interpretação acerca de Jesus. O teólogo Leonardo Boff vai além ao afirmar que “os evangelhos transformaram a tradição de Jesus em religião”.
Apesar disso, nas entrelinhas dos relatos, pode-se inferir no que consistiu a pregação do Mestre. Apresentou-se na linha dos profetas apocalípticos, que viam o fim próximo do mundo com a intervenção misericordiosa de Deus. Por isso, a necessidade urgente de acreditar no que dizia e uma mudança de comportamento por parte de quem o escutava: “Cumpriu-se o prazo e está próximo o reinado de Deus: arrependei-vos e crede na boa notícia” ( Mc 1,15). Dessa forma, o sonho de Jesus era anunciar o reinado de Deus, que tinha começado com ele.
Suas atividades já demonstravam essa nova ordem das coisas. Interpretava as Escrituras (1º. Testamento) como meio de salvar a vida, por isso não temia se essa interpretação pudesse contrariar o legalismo bíblico feitos pelos teólogos da época. Questionado a respeito, respondia: “O que é permitido no sábado? Fazer o bem ou o mal? Salvar a vida ou matar? (Mc 3,4). Dessa forma, Jesus minava fundamentos do Judaísmo oficial e criava inimigos poderosos.
As ideias liberais do Nazareno atraíram muitos seguidores, sobretudo pessoas pobres, marginalizadas e condenadas pela religião dominante. Além disso, seu comportamento liberal contrariava os padrões morais e religiosos da época. Deixava-se tocar por pecadores, conversava com samaritanos e criticava o acúmulo de riqueza, além de fazer duras críticas aos líderes religiosos.
Como consequência disso, a classe dominante determinou dar fim nele. Marcos faz referência a esse fato quando diz que “os fariseus saíram imediatamente e deliberaram com os herodianos como acabar com ele” (Mc 3,6). Aqui, percebe-se que Jesus foi vítima de um complô arquitetado por forças religiosa e política, que culminou na condenação à morte de cruz.
A morte de cruz ou crucificação era uma pena de morte aplicada pelos romanos a escravos , a criminosos e a desordeiros, tumultuadores da ordem estabelecida. Era uma pena tão infame, que os criminosos romanos não eram submetidos a ela. Jesus, portanto, foi condenado como um criminoso , um desordeiro considerado rei dos judeus. Dessa forma, enfatizar esse aspecto histórico da vida do filho de Maria é de capital importância para entender a revolução que sua pregação do reinado de Deus provocou na sua sociedade.
Ubiraci Moraes é licenciado em Letras, pós-graduado em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura e licenciando em Pedagogia.
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